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Necessário: Uma Estratégia para os 300 Maiores Grupos de Povos de Fronteira

Antes de Chegar no Campo Missionário

*Artigo de João Ricardo Morais, publicado na Revista Batista Pìoneira – Vol. 6 – n. 2 – Dezembro 2017

É totalmente genuína a preocupação com aquilo que os missionários devem saber antes de chegar aonde Deus os enviou como Seus embaixadores. Por esta razão, tantos se dedicam a instruí-los, treiná-los e prepará-los para essa maravilhosa e divina empreitada.

Contudo, a decisão de elaborar uma grade adequada de assuntos a serem abordados durante a fase preliminar para a formação do missionário ainda é motivo de debate. O que é realmente relevante durante a fase de preparo deve ser levado em consideração de forma exaustiva.

Tudo pode até começar com a chamada missionária, mas não termina nela. Muitas vezes, o caminho é longo até que se dê a chegada ao campo missionário. O treinamento formal e informal, proporcionando ao candidato um conhecimento prévio, mesmo que limitado, daquilo que supostamente encontrará no campo, é de grande valor e imprescindível.

A necessidade do bom preparo é uma realidade, pois há muitos missionários que estão servindo em campos transculturais que levaram entre 5 e 10 anos para se prepararem adequadamente. Foram capacitados na igreja local, como também em instituições teológicas, visando um preparo missiológico apropriado. Existe também o cuidado que se deve tomar em não queimar etapas.

Se olharmos para a realidade missionária latino-americana, reconheceremos rapidamente que nosso “calcanhar de Aquiles” reside naquilo que chamamos de imediatismo. Na verdade, aqui no Brasil, este costume junta-se a outro fator que podemos denominar de “jeitinho brasileiro”, que se traduz como aquele comportamento muito comum de realizar as tarefas que temos em nossas mãos no último momento, muitas vezes fora do tempo determinado. Desta maneira, se junta a rapidez inconsequente a uma inusitada irresponsabilidade no desenvolvimento cronológico das nossas tarefas.

Da mesma forma que se entende a necessidade do preparo, entende-se também a necessidade de se evitar a procrastinação no envio do missionário. As consequências da demora podem ser desastrosas, levando, inclusive, o vocacionado a abandonar seu chamado porque sua igreja deixou de observar algumas etapas que deveriam ser cumpridas no tempo determinado.

1. A CHAMADA

Indubitavelmente, todo aquele que tem um encontro pessoal com o Senhor Jesus, passando pela experiência do novo nascimento (Jo 3.3), ou seja, conversão, e decide tornar-se um de seus seguidores (Jo 3.67-69), recebe uma chamada. Esta chamada é para apresentar e representar Jesus diante das pessoas (At 1.8), fazendo com que todos O reconheçam como seu Senhor e Salvador pessoal.

A chamada missionária, entretanto, apresenta um acréscimo na responsabilidade e comprometimento com a evangelização mundial por ser mais específica, como o próprio apóstolo Paulo salienta (1Co 9:17). Faz-se necessário dizer que a chamada missionária é, antes de qualquer outra coisa, uma chamada direta do Espírito Santo. Este foi o caso de Paulo e Barnabé (At 13:2), por exemplo, e de qualquer outro que se declare comissionado pelo Senhor.

Entretanto, este texto não revela como esta chamada se deu. O mais provável é que Deus tenha falado à igreja através de seus profetas (At 13.1). Porém, também se aventa a possibilidade de que esta chamada tenha sido interna, e não externa, ou seja, através do testemunho do Espírito em seus corações e mentes.

Por outro lado, alguns cristãos colocam grande relevância no significado de uma chamada específica recebida em uma data e local específicos. Contudo, missões estão fundamentadas em uma base mais forte do que em apenas um senso subjetivo de chamada de Deus. Sem sombra de dúvida, a chamada missionária é mais complexa do que se pode imaginar. Por esta razão, uma compreensão do significado bíblico-teológico do que é a chamada missionária se faz tão necessária.

A importância de compreender com exatidão o que é vocação missionária é real e há uma perspectiva sobre seu conceito tanto no Antigo Testamento (AT) quanto no Novo (NT). Como exemplo de chamada no AT, destaca-se a de Abraão (Gn 12.1-3). Essa chamada torna-se praticamente um referencial clássico para tudo aquilo que viria acontecer na história do povo de Israel. Em contrapartida, é de bom tom recordar que, em consequência dessa chamada, Abraão teve que romper seus laços familiares e deixar sua terra e seus amigos para trás, dentre outras coisas.

Ao se olhar para o NT, vê-se nos relatos de Mateus, Marcos e Lucas, em relação ao chamado dos discípulos, o sentido de uma “convocação imperiosa a um indivíduo ou a um grupo existente e mais ou menos bem definido, como os discípulos”. Já em Atos, pode-se ver um processo natural de desenvolvimento de chamadas. Essa convocação mencionada acima estaria sempre vinculada à comunidade dos santos, a saber, a igreja. A possibilidade de acontecer autochamamentos não existe, segundo a perspectiva divina.

Contudo, é a teologia paulina que provê a fundamentação teológica do sentido de vocação missionária no NT. Paulo encarnou de forma plena o sentido bíblico-teológico da vocação missionária que lhe foi concedida pelas seguintes razões:

  • Afirma que não vive mais para si mesmo, mas para Aquele que o salvou e chamou (Gl 2.20);
  • Disponibiliza-se para se preparar devidamente (Gl 1.17);
  • Dispõe-se a ser enviado por uma igreja local (At 13.1-3);
  • Demonstra um estilo de vida que condiz com o de um missionário (Fp 4.11, 12);
  • Está disposto a sofrer por amor a Cristo (2Co 11.24-27);
  • Propõe-se a prestar contas de suas atividades (At 14.27).

O que constitui um chamamento missionário? Poucas vezes acontece algo como “um relâmpago caindo do céu”. O mais frequente é a chamada se manifestar como uma convicção profunda e crescente, baseada em princípios bíblicos sólidos, testemunhada no interior pelo Espírito Santo e confirmada no exterior pela Igreja.

Contudo, essa perspectiva a respeito da chamada missionária não é consenso. Outros autores compartilham de uma visão um tanto diferente e afirmam que a Bíblia não apresenta, de forma clara, uma base bíblica para a chamada missionária.

Dizer que há uma base bíblica para missões é subestimar toda a mensagem da Bíblia. Ao invés de argumentar a respeito da base bíblica de missões, deveríamos vê-la de outra forma – o trabalho de missões é a razão para a Bíblia. Púlpitos evangélicos, salas de aula de seminários e livros teológicos reconhecem de forma crescente e proclamam esta verdade. A Palavra de Deus ensina que Ele é um Deus missionário com um coração pelas nações. À medida que estudamos Sua Palavra e O conhecemos mais, veremos a Missio Dei (missão de Deus) entrelaçada ao longo dela do começo ao fim. Apesar desse claro retrato de Seu coração pelas nações, Deus não define claramente a chamada missionária em nenhum lugar da Bíblia.

Embora a Bíblia não forneça uma definição de chamada missionária, ela fornece um meio através do qual se pode ver o desejo de Deus pelas nações e como Ele chama pessoas para levar adiante Seus desejos. O autor defende a tese de que os exemplos bíblicos não são prescritivos, mas sim descritivos. Não devem ser vistos como precedentes aos quais se devam comparar experiências de chamadas posteriores. Ao invés disso, tais exemplos devem demonstrar o que aconteceu quando Deus chamou pessoas em tempos diferentes na história bíblica.

O amor e o despertamento por missões são outros aspectos fundamentais no processo de chamada de um cristão. O relacionamento do discípulo com o Senhor Jesus é um relacionamento baseado em amor. O próprio Jesus declarou isso, afirmando que, se existisse amor por parte dos discípulos, a obediência aos Seus mandamentos seria uma consequência (Jo 14.15, 21; 15.10). Portanto, a obediência à Grande Comissão deve também ser consequência desse relacionamento de amor com Jesus.

“Se demonstrarmos amor e integridade através de uma vida justa e santa, estamos testemunhando de Cristo de maneira poderosa, seja qual for nossa vocação”. Sendo assim, é o amor que deve impulsionar o discípulo à realização da obra missionária, pois, existindo amor pelo Senhor da obra, existirá amor pela obra do Senhor.

Entretanto, este amor por Jesus e por Sua obra deve conduzir os seguidores de Cristo ao envolvimento com a obra missionária, seja indo ou ficando na retaguarda para sustentar o empreendimento missionário. “Grande é a responsabilidade da Igreja e do crente na promoção da obra missionária. Todos os crentes, através de suas igrejas, têm de sustentar e promover a obra”.

Como em qualquer empreendimento, a missão de Deus também se fundamenta em várias verdades motivacionais. Mas, nenhuma dessas verdades é maior do que a verdade teológica da salvação de Deus como motivação missionária. Todos aqueles que são agradecidos por sua própria salvação ficarão motivados a unirem-se a Deus em Seu empreendimento missionário.

Jesus entregou quatro diretrizes que fundamentam o mandato missionário da igreja. Essas diretrizes desafiam os seguidores de Jesus com uma chamada para envolverem-se em missões e elas servem como manual para o ministério missionário. Estas mesmas diretrizes, ou mandamentos, ainda estão em vigor para a igreja hoje: “somos enviados” (Jo 20.19-21); “a todos os povos” (Mt 28.18-20); “com uma mensagem” (Lc 24.46-48); “capacitados pelo Espírito Santo” (At 1.6-8).

2. O TREINAMENTO

Dentro do processo de chamada para ir ao campo, uma etapa de crucial relevância é a fase de treinamento do vocacionado. Agências e juntas missionárias investem recursos financeiros e humanos para que seus missionários cheguem aos mais variados campos preparados para executar a missão que o próprio Deus lhes comissionou e entregou.

Na atualidade, existe uma facilidade muito grande para que alguém chegue ao campo missionário. Entretanto, a permanência no campo missionário ainda se apresenta como um grande desafio para a maioria dos missionários. Pode Deus usar no campo missionário alguém que possua pouco ou nenhum treinamento? Certamente que sim! Contudo, a ideia de ser um cooperador de Deus não significa ficar sentado, numa atitude passiva, e deixar que Deus faça todo o trabalho. Mesmo Filipe, que foi conduzido de maneira sobrenatural para ministrar ao eunuco etíope (At 8), era alguém com experiência prévia comprovada e tinha um ministério frutífero. Jesus lembra que quem é fiel no pouco, será encarregado de muito.

No entanto, antes mesmo do treinamento e eventual envio do missionário, faz-se necessária uma seleção criteriosa:

  • Experiência de novo nascimento, ou seja, conversão;
  • Motivação correta;
  • Chamado genuíno de Deus;
  • Caráter cristão e maturidade espiritual;
  • Bom relacionamento com outros;
  • Capacidade de lidar com tensões;
  • Bom conhecimento bíblico;
  • Treinamento missiológico;
  • Formação profissional;
  • Reconhecimento como ser humano.

bviamente, esses critérios podem variar de autor para autor. Por outro lado, mesmo concordando com o fato de que o treinamento inadequado anterior ao campo seja um dos motivos para o retorno prematuro nos NPE (Novos Países Enviadores), “fica evidente que mais da metade são fatores espirituais e de caráter. Isto significa que o treinamento formal e não formal anterior ao campo precisa dar ênfase na formação do ser”.

O treinamento missionário se apresenta em três categorias:

  • Treinamento formal: que garante ao candidato seu credenciamento acadêmico;
  • Treinamento não formal: tipo de formação que se caracteriza por se dar fora da sala de aula, levando o candidato ao aprendizado através da experiência;
  • Treinamento informal: que caminha na direção de ensinar o candidato no ambiente da própria instituição de ensino, dando ênfase à convivência entre alunos e professores. Este último não é tão difundido como os anteriores.

O conhecimento necessário para estar preparado a ir ao campo missionário continua sendo motivo de controvérsia entre os missionários e também juntas e agências missionárias. Contudo, há consenso em se dizer que não é admissível enviar ao campo missionários que não tenham o mínimo de informação sobre o povo a quem vão ministrar, a cultura e a cosmovisão do povo e o temido idioma local.

Contudo, conhecer a própria cultura faz com que haja uma possibilidade maior de conhecer a cultura do campo onde o missionário está inserido e relacionar-se com ela. Referindo-se estritamente ao contexto norte-americano, o que se ensina, se aprende e se aplica sobre a fé é levado ao exterior como Evangelho cultural.

Podemos pensar que já entendemos nossa própria cultura, mas geralmente não a entendemos até que entremos em outra cultura e então olhemos para a nossa. Uma das primeiras coisas que se aprende no campo é como olhamos para as outras pessoas.

  • Os africanos nos chamam de “ofensivos” porque assoamos o nariz e guardamos o resultado no bolso.
  • Os asiáticos pensam que somos “bagunceiros” porque guardamos nosso lixo dentro de casa e o levamos para fora uma vez por semana.
  • Os latino-americanos dizem que somos “loucos” porque permitimos que nossos cachorros durmam em nossas camas.
  • Os dominicanos da zona rural veem os cristãos como “imorais” porque permitem que homens e mulheres nadem juntos.

Juntamente com esse conhecimento, está o saber bíblico, que é indispensável. Os missionários necessitam ter uma visão ampla das Escrituras. Eles precisam estar familiarizados com o pano de fundo histórico, geográfico e cultural da narrativa bíblica e com as etapas principais na história da salvação. Da mesma forma, futuros missionários necessitam de um bom conhecimento das principais doutrinas da fé cristã. É muito importante que eles sejam capazes de reconhecer o que é de fundamental importância em questões de crença e o que é secundário, o que é uma visão permissível e o que é uma visão herética.

Não é de hoje que as preocupações com o que se deve saber antes de chegar ao campo missionário são objeto de discussão. Há mais de cinco décadas, já havia o reconhecimento de que existem alguns objetivos que o missionário de “primeira viagem” pode realizar:

  • Um bom conhecimento da língua. A proficiência na língua vai depender da pessoa e da própria língua em questão;
  • Adaptação satisfatória ao clima, costumes, cultura e povo do campo;
  • Um conhecimento completo do trabalho da missão;
  • Um entendimento do campo, seus problemas, necessidades e potencial;
  • Alguma consciência de seus dons espirituais e seu lugar na obra;
  • Uma profunda confirmação de seu chamado como resultado de um crescente senso de pertencimento e uma convicção de ser útil.

Como afirmado anteriormente, se não há consenso sobre o que se deve saber antes de chegar ao campo missionário, há, sem dúvida, consenso de que é necessário preparo do missionário para ir ao campo. Por essa razão, a fase que antecede à chegada ao campo missionário deve ser vista como essencial na formação do missionário.

3. RECURSOS FINANCEIROS

O levantamento dos recursos para se chegar ao campo missionário pode ser um processo longo e desgastante para muitos. Obviamente, isso depende dos critérios adotados pelas juntas e agências missionárias, e estes critérios podem apresentar distinções. Contudo, para muitas juntas e agências missionárias, este é um processo crítico que antecede à ida do missionário para o campo.

Conhecendo esse dilema, muitos se antecipam para convencer os missionários de que esta tarefa, embora árdua, não os desmerece em nada. Charles Troutman, escrevendo para um missionário a quem ele mesmo aconselhava, disse que compreendia que ele estava incomodado com a possibilidade de ter que levantar seu sustento, e deu seu testemunho pessoal afirmando que ele e sua esposa quase não chegaram ao campo por causa disso. Ele declara que talvez o orgulho o estivesse impedindo, mas também se ressentia da atitude de certas igrejas, pastores e amigos que tinham padrões diferentes para suas próprias famílias e para as famílias de missionários.

Embora estivesse acostumado a pedir em favor de organizações cristãs, “adotar a posição de pedinte diante do opulento era terrivelmente difícil”. Na realidade brasileira atual, facilmente se constata que tanto juntas quanto agências missionárias têm adotado o método de que seus missionários busquem levantar os recursos necessários para realizarem a tarefa que o Senhor lhes confiou. Esses recursos virão das igrejas, membros de igrejas, amigos e familiares.

Levantar o sustento é um dos maiores desafios enfrentados por aquele que recebe o chamado de Deus para ir ao exterior como missionário. Esse processo deve também estar fundamentado em convicção pessoal por parte do missionário. Em praticamente todas as nações, os pastores recebem salário. Algumas das grandes denominações, principalmente as de países ricos, também sustentam seus missionários com uma renda mensal.

Entretanto, muitos dos que vão servir a Deus no exterior vivem pela fé. Não gosto dessa expressão porque ela passa a ideia de uma distinção que na verdade não se aplica aqui. Afinal, todos devemos viver pela fé, confiando que Deus suprirá nossas necessidades, de uma maneira ou de outra. Esse termo “pela fé” é usado no meio evangélico como uma espécie de gíria para descrever aquelas pessoas que não recebem um salário no sentido real da palavra, mas que confiam em Deus para seu sustento. Esse sustento vem, geralmente, por intermédio de igrejas ou indivíduos que ofertam segundo as despesas de cada missionário. É comum usar a expressão “missionário pela fé” para descrever um trabalho cujo pessoal envolvido consegue a maioria dos recursos dessa maneira. Basicamente, significa “levantar o próprio sustento”.

A Palavra de Deus contém alguns textos bíblicos escritos por Paulo em 1 Coríntios 16 e 2 Coríntios 8 e 9 sobre levantamento de recursos. Paulo pedia especificamente por recursos e até mesmo dava sugestões de como levantá-los; ele encorajava as pessoas a dar o quanto pudessem; ele exortava a todos para manterem altos padrões éticos; ele até mesmo comparava algumas igrejas com outras. Paulo não hesitava em levantar recursos.

Para que essa dinâmica de levantamento de recursos financeiros seja ágil, os missionários devem se comunicar com seus mantenedores por carta, e-mail, telefone, etc., fazendo sua parte em buscar seu sustento; contudo, Deus é quem lhes dá os recursos. As questões financeiras são uma das principais causas de desentendimento na maioria dos casamentos. Levantar sustento faz com que isso se torne realmente uma questão a ser considerada. Contudo, o envio do missionário ao campo depende se seu sustento pode ou não mantê-lo lá.

Muitos veem o momento do envio do missionário ao campo como o ápice de um processo longo e muitas vezes exaustivo. Entretanto, esse momento é envolto em alegria, gratidão a Deus e um profundo sentimento de dependência do Senhor por se ver aqueles que foram separados por Deus, comissionados por Ele, treinados e capacitados em parceria com a igreja local serem enviados àqueles que precisam ouvir a mensagem de salvação de Jesus.

Os versículos de Atos 13, principalmente de 2 a 4, além de serem inspirativos, são instrutivos, pois mostram o equilíbrio entre a ação do Espírito Santo e a igreja local no envio daqueles que o próprio Deus havia separado e designado para a tarefa missionária.

Enquanto adoravam o Senhor e jejuavam, disse o Espírito Santo: “Separem-me Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado”. Assim, depois de jejuar e orar, impuseram-lhes as mãos e os enviaram. Enviados pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre.

De acordo com o versículo 4, ambos Barnabé e Paulo foram enviados pelo Espírito Santo, mas, segundo o versículo 3, foi a igreja de Antioquia que, impondo as mãos sobre eles, os enviou. Ao fazer-se justiça à iniciativa do Espírito Santo, não se pode subestimar o papel da igreja no envio deles. Conclui-se, portanto, que o Espírito Santo os enviou, instruindo a igreja a realizar o envio, e que a igreja os enviou, por ter sido instruída pelo Espírito Santo.

Esse equilíbrio é sadio e evita ambos os extremos. O primeiro é a tendência para o individualismo, pelo qual uma pessoa alega direção pessoal e direta do Espírito, sem nenhuma referência à igreja. O segundo é a tendência para o institucionalismo, pelo qual todas as decisões são tomadas pela igreja sem nenhuma referência ao Espírito. Apesar de não podermos negar a validade da escolha pessoal, ela só é sadia e segura quando vinculada ao Espírito e à igreja.

Entretanto, alguns não entendem da mesma forma e afirmam que Deus é aquele que envia o missionário, sendo a igreja apenas o canal do envio. Vários são os textos bíblicos por eles apresentados (Ex 3.10; Is 6.8; Jr 1.7; Mt 10.16 e 28.19; At 13.2-4). Contudo, os textos em questão são, em sua maioria, anteriores à fundação da igreja, com exceção do último. Esse posicionamento não evita os extremos e gera a falta de equilíbrio ao qual John Stott se refere.

Com relação ao papel da igreja local dentro do processo de envio, é oportuno declarar que, além de ser o local onde se encontram as oportunidades de comunhão e crescimento espiritual, onde os membros recebem os dons do Espírito Santo para sua própria edificação, a igreja local é de onde os futuros missionários são chamados pelo Senhor. Entretanto, uma das características essenciais de uma igreja, quiçá a mais importante para que ela seja atuante no cumprimento da Grande Comissão, é ser missional. A igreja missional não é apenas outra fase em que a igreja local se encontra; ela é uma expressão completa de quem e o que a igreja foi chamada a ser e a fazer, ou seja, cooperar com o Senhor na redenção do ser humano.

4. IGREJA E AGÊNCIA MISSIONÁRIA

Em se tratando do relacionamento da igreja local com aquele que se diz chamado por Deus para ir ao campo missionário, importa que a igreja estabeleça um canal de comunicação com o futuro missionário. É fundamental que a igreja local realize encontros para constatar o chamado missionário do candidato e, então, estabeleça metas iniciais para ele. Essas metas iniciais se dão através da verificação constante do espírito de submissão do candidato junto ao seu orientador, de sua participação efetiva nos trabalhos da igreja, da demonstração de zelo pela área de evangelismo local, da contribuição para a visão missionária mundial de sua igreja, da oferta de apoio irrestrito ao departamento de missões e de sua participação financeira na vida de outros missionários.

A igreja local tem um papel importante no processo de seleção e envio do missionário. Até mesmo as agências paraeclesiásticas reconhecem que a base de apoio do seu trabalho missionário está na igreja local. Rudy Girón declara que a melhor entidade para autenticar o chamado de alguém para missões é a igreja.

Em contrapartida, há quem veja as falhas da igreja local em assumir seu papel no processo de seleção, preparo e envio do missionário. Afirma-se que ela tem enviado os candidatos para seminários e escolas de treinamento sem conhecê-los bem e sem ter tido uma contribuição significativa em suas vidas, crendo que todo o treinamento será efetuado por essas instituições. Quando a igreja local falha em preparar seus candidatos para o campo missionário, os resultados são candidatos sem experiência cristã consistente, sem prática ministerial e sem conhecimento da Palavra de Deus e do próprio Cristianismo.

Temos que compreender a vital importância da igreja local no preparo do missionário. O contato de longo prazo, o ensino da Palavra, a vida em comunidade e o crescimento mútuo de cristãos que se amam e ajudam uns aos outros a viver dignamente no Senhor é a melhor escola missionária. O missionário levará consigo para o campo as atitudes e o modelo que fizeram parte de sua formação cristã, repetindo e imitando o que experimentou e viveu (muito mais do que aprendeu numa escola formal, embora precise dela também, para complementar seu conhecimento teológico e missiológico).

A igreja local tem algumas responsabilidades específicas no processo de formação de um futuro missionário nos momentos que antecedem e sucedem o seu envio. Primeiramente, identificando missionários em potencial. A igreja local tem “um assento na primeira fileira” para a tarefa de reconhecer aqueles a quem Deus deu dons para o serviço transcultural.

Sendo assim, a igreja local está posicionada de forma singular para ser a mentora de futuros obreiros transculturais no desenvolvimento do caráter e experiência ministerial, assim como cuidar deles ao longo do processo do preparo missionário. Além de a igreja local amar e se comprometer com seus obreiros, os resultados podem aumentar grandemente se ela abraçar o povo e a tarefa com os quais seu missionário está comprometido. Por fim, o cuidado de qualidade é também essencial. Os missionários enviados pela igreja continuam a fazer parte do corpo e, consequentemente, debaixo do cuidado espiritual e pastoral da igreja.

As igrejas, segundo a parte que lhes cabe, precisarão aceitar que seu papel de enviadora consiste em sérias responsabilidades. Os líderes precisarão investir tempo, estabelecer sistemas, recrutar as pessoas certas para papéis estratégicos e reconhecer que a tarefa continua enquanto o trabalho do obreiro estiver sendo feito. Se uma igreja não está disposta a se comprometer com o envio, então, a igreja, a agência e o futuro obreiro devem avaliar seriamente se essa igreja deve ser a igreja enviadora.

Quando se olha para o processo de preparo do missionário, fica evidente a participação da igreja local. Ela é responsável por participar decisivamente desse processo de preparação e contribuirá grandemente para a formação do missionário.

Em cooperação com a igreja local, está a agência ou junta missionária, desempenhando um papel distinto do da igreja. Contudo, colaboração deve ser a palavra de ordem. A ideia de competição no Reino de Deus não deve ser cultivada e muito menos praticada. Tratando-se de missões, observa-se muitas vezes pouco entendimento a respeito dos papéis relevantes que agências e juntas missionárias desempenham neste cenário.

Existe uma cooperação que consiste em três agentes: a igreja enviadora, a agência ou junta denominacional, e a agência paraeclesiástica. Todos com papéis bem definidos e biblicamente fundamentados.

As igrejas combinam esforços através dessas juntas denominacionais criadas para servir suas igrejas no envio, no sustento e na administração do trabalho missionário, que vai além do escopo dos ministérios de suas igrejas locais. Já as agências paraeclesiásticas enfatizam um nicho da tarefa missionária em particular. Enquanto totalmente cristãs e frequentemente evangelísticas, estas organizações transcendem a identidade denominacional e buscam apoio vindo de um espectro mais amplo formado por outros grupos cristãos. Essas agências nem sempre prestam contas às igrejas nem estão debaixo de sua supervisão, porém elas existem para servir às igrejas, fornecendo-lhes um canal para uma estratégia específica, que vai além da capacitação e da habilidade da igreja local. Contudo, é de bom tom frisar que tais agências não veem seu ministério e contribuição a missões como substitutos à igreja local, mas como cooperadores dela.

Assim sendo, e por ser a igreja local limitada quando se trata de fazer missões, uma estrutura mais ampla de cooperação se torna necessária, algo que ajude a igreja a fazer seu trabalho missionário. Tal estrutura pode ser uma secretaria denominacional de missões, que coordena os esforços missionários das igrejas afiliadas, ou uma missão interdenominacional que conta com a colaboração de igrejas de vários contextos eclesiásticos.

O papel das agências missionárias quanto ao preparo é o de fornecer treinamento especializado e mais profundo. Com relação à seleção do candidato, é o de confirmar a seleção em relação ao ministério e vida transcultural. A respeito do envio, o papel da agência é o de cuidar da burocracia, dos contatos no campo, da logística e da estratégia a ser adotada. Em se tratando do sustento do missionário, a agência se responsabiliza por estabelecer o nível de sustento necessário no campo, canaliza esse sustento e verifica se é suficiente.

Após o envio do missionário ao campo, a agência tem a tarefa de coordenar a estratégia e o trabalho em equipe, ajudar a igreja como orar, enviando cartas de oração e mantendo contato com a igreja sobre eventuais necessidades, manter comunicação constante com o missionário e com sua igreja, controlar o tempo adequado de permanência e a logística em caso de retorno do campo, verificando a saúde, as atividades e o tempo de descanso do missionário.

Se tanto a igreja quanto a agência estiverem bem envolvidas em colocar o obreiro no campo, este “triângulo de envio” torna-se crucial. Não apenas o futuro obreiro e a agência se comprometem um com o outro, mas a igreja enviadora e a agência precisam também se comprometer uma com a outra.

Como se pode notar, o papel da agência ou junta missionária não é conflituoso com o papel da igreja local. Muito pelo contrário, igreja e agência podem e devem colaborar para que a obra missionária avance e o Reino de Deus se expanda.

Portanto, as etapas que antecedem à chegada do missionário ao campo são mais complexas e críticas do que muitos podem imaginar. A convicção de chamada faz com que o candidato a missionário se coloque à disposição do Senhor da seara, para que Ele o prepare, aumentando em seu coração um fervor pela obra missionária e a evangelização das nações. Quando chega o momento do treinamento, os desafios parecem aumentar. Mesmo que não haja unanimidade no estabelecimento de uma grade curricular, o que se sabe é que um missionário bem treinado e capacitado terá maiores chances de executar bem a obra missionária que lhe foi confiada. Para que esse envio seja bem-sucedido e a permanência do missionário no campo seja por tempo satisfatório, tanto a igreja local quanto a junta ou agência missionária necessitam cooperar entre si, facilitando e motivando-se mutuamente no exercício de seus papéis. Dessa forma, não apenas a obra missionária alcançará seus objetivos, mas o Senhor da obra receberá a glória que Ele tanto merece.

Fonte: Revista Batista Pioneira
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