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A Ação Missionária no Antigo Testamento
*Fragmento da Tese de Doutorado de Aguinaldo Leônidas Guimarães
Quando o mal cresce de forma acentuada, Deus chama Noé e o comissiona a pregar entre os seus – não foi missão como missões, no sentido além-mar, mas era a missio Dei, ou seja, a busca pela reconciliação e transformação dos seres criados com o seu Deus. Cento e vinte anos de misericórdia e pregação. A missio Dei foi compartilhada com o ser humano, a missio ecclesiae agora passa a ser vista de forma mais nítida. Desde o início, Deus compartilhou com os Seus a missio Dei, mas de maneira ainda mais clara isto é percebido com Noé, que deveria pregar, e assim o fez, aos seus compatriotas.
Após o dilúvio e o pacto firmado com Noé e sua descendência, o homem se afasta e começa a erigir a Torre de Babel, o que leva à dispersão da humanidade pelos confins desta terra. Pouco a pouco, o povo se afasta uns dos outros, ligando-se pelo idioma e surge o conceito de nações (Gn 11:9).
Posteriormente, entra em cena Abrão, que mais tarde tem seu nome mudado para Abraão. Ele é chamado por Deus para sair de sua terra e firmar uma aliança onde seria abençoado, tornando-se pai de uma grande nação e levando a bênção de Deus a toda a humanidade (Gn 12:2-3). Esta aliança é repetida a Abraão em pelo menos duas outras ocasiões e refeita com Isaque e Jacó (Gn 18:18; 22:18; 26:4 e 28:14).
Um olhar rápido para tal aliança pode conduzir a uma compreensão de que
[…] o ‘Deus de toda a terra’ parece, à primeira vista estar a estreitar os seus
interesses privados para com a história de uma família e tribo apenas, mas na
realidade nada poderia estar mais longe da verdade. Nas palavras de Groot,
‘Israel é a palavra de abertura em proclamar a salvação de Deus, não o Amém.
Por um tempo, Israel, o ‘povo de Abraão’, é separado das outras nações (Ex.
19:03 ss;.. Dt 07:14 ss), mas apenas para que através de Israel Deus pudesse
abrir o caminho para conseguir seus objetivos mundialmente abrangentes
(Verkuyl, op. cit., p. 91-92).
Hicks amplia o conceito exposto por Verkuyl, ou pelo menos o complementa ao afirmar que
[…] a clara intenção missionária do Todo-Poderoso vem à tona com o seu plano
para abençoar todas as famílias espalhadas pela terra através de Abraão e seus
descendentes. O Senhor estabeleceu este plano de aliança com Abraão (Gn
12:1-3; 18:18-19; 22:15-18), depois confirmou-o, primeiro com Isaque (26:2-
4) e, em seguida, com Jacó (28:14). Ainda mais tarde, o Senhor estendeu este
propósito trazendo todo o Israel sob o pacto como o seu “especial tesouro” […],
e declarando-os a serem “um reino de sacerdotes” para cumprirem o seu plano
(Êxodo 19:4-8). (1998, p. 55).
Dessa forma, a missio Dei chega à nação de Israel, eleita como povo peculiar do Senhor para abençoar as demais nações. Deus opera por meio dessa nação. Através de Seus feitos, o povo de Israel faz com que as nações conheçam o Deus verdadeiro. Esse testemunho é visto desde a saída dos israelitas do Egito, onde “um misto de gente” (Êx 12:38) seguiu com eles. A ação de Deus através de Moisés e as pragas que caíram sobre o Egito testemunhavam de um Deus vivo e poderoso que cuida de Seu povo.
Após a saída do Egito, Deus continua agindo em prol de Seu povo e testemunhando às demais nações. A travessia do Mar Vermelho, as ações de libertação em momentos de conflitos e o cuidado de Deus com o povo de Israel em seu caminhar pelo deserto sensibilizaram Raabe, que reconheceu no Deus de Israel o Deus verdadeiro “em cima nos céus e embaixo na terra” (Js 2:9-13).
Os Salmos, visivelmente, apresentam a intenção missionária de Deus e também revelam o pressentimento de Seu povo, expressando esse desejo e conhecimento sobre a responsabilidade que possuíam de apresentar a Deus e Sua salvação diante de todas as nações, de todas as pessoas. Como afirmaram Senior e Stuhlmueller (2010, p. 208), “um dos alcances mais fortes para a missão universal aparece na oração mística do Salmo 22” e, consequentemente, em todos os Salmos.
Muitos outros exemplos podem ser apresentados, e o serão, mas no contexto do desenvolver da missão na urbe. Por fim, pode-se dizer que “a história de Israel não é outra coisa senão o contínuo relacionamento de Deus com as nações ou etnias em Seu intento por salvá-las” (Rode, 2006, p. 584).
O Antigo Testamento apresenta um Deus missionário, que elegeu um povo humilde e falho, que em meio à Sua misericórdia deveria revelá-Lo ao mundo. Esse povo distorceu o sentido de sua eleição, ou seja, não desempenhou seu papel como sacerdócio santo ou povo enviado a ser luz e abençoar as nações, apesar das exceções encontradas no relato bíblico. No entanto, isto não anulou o propósito Divino de levar adiante Seu intento de alcançar todos os povos da terra. Tal fato esclarecido, surge então o desafio de adentrar o papel ou lugar da cidade e a missão nesta, no contexto do Antigo Testamento.
Fonte: GUIMARÃES, Aguinaldo Leônidas. CIDADES E MISSÃO NO ANTIGO TESTAMENTO. 2010. 55 f. Tese (Doutorado) – Curso de Missão Urbana e Crescimento de Igreja, Faculdade Teológica Sul Americana, Londrina, 2010.